O motorista Antonio Rafael Silva Lima, enfrenta dificuldades extras para conseguir trabalho: com a idade avançada e problemas de saúde.
Todas as manhãs, depois de comandar a missa na paróquia de São Miguel Arcanjo, na Mooca (zona leste de São Paulo), o padre Júlio Lancellotti repete a mesma rotina. Por pelo menos duas horas, ouve, orienta e auxilia dezenas de moradores de rua a buscar um lugar para comer e dormir.
Nos últimos três anos, a quantidade de pessoas que procuram o padre para pedir ajuda aumentou. Com mais de 30 anos dedicados ao convívio com a população de rua de São Paulo, o religioso vê um agravamento da situação.
"Há um aumento de pessoas desempregadas, desalentadas, que não encontram nenhuma possibilidade", observa. "É muita gente procurando emprego, com dificuldade para pagar aluguel, despejadas. As pessoas estavam na beirada, se segurando em alguma coisa, e caíram.
Uma das pessoas que chegaram à paróquia em busca de apoio é José Ivonaldo de Lima Santos, 38. Depois de uma discussão no açougue em que trabalhava, ele foi demitido e não conseguiu mais pagar o aluguel do quarto onde morava, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Desde maio, passou a viver pelas ruas, sem um lugar fixo para dormir.
Ivonaldo já havia passado por situação semelhante em 2005, quando, depois de se separar da mulher, começou a abusar de bebidas e drogas e chegou a viver como morador de rua por dois anos. Desta vez, no entanto, ele diz que o problema é outro: a dificuldade para arrumar emprego, apesar da experiência como açougueiro.
"Fica difícil cuidar da aparência, tomar banho. A gente é visto como cachorro", lamenta.
Ivonaldo diz que está apostando todas as fichas em buscar uma vaga em um albergue. Com lugar para dormir e cuidar da higiene, ele diz que espera conseguir um trabalho dentro de um prazo de 15 dias. "Ou você se entrega, ou se lança para tentar mudar essa situação. A rua não é vida para ninguém. Se eu continuar assim, vou morrer, vou ser preso ou vou acabar como mendigo."
Além da falta de um lugar para morar, outra vítima do desemprego, o motorista Antonio Rafael Silva Lima, 57, enfrenta dificuldades extras para conseguir um trabalho: a idade avançada e os problemas de saúde - uma diverticulite e dores nas costas resultantes de décadas trabalhando atrás do volante.
Em janeiro, Antonio participou de uma paralisação de motoristas de lotação na zona leste de São Paulo. Os trabalhadores reclamavam de atrasos no pagamento de salários e benefícios pela empresa para a qual trabalhavam. Depois de um acordo para solucionar o impasse, ele acabou demitido.
Em junho, sem ter mais como pagar a vaga na pensão em que morava, em Itaquera, Antonio teve que ir para a rua. Hoje, dorme no Arsenal da Esperança, um dos maiores albergues da cidade, com 1.200 vagas. Ao todo, a prefeitura diz que oferece atualmente mais de 12 mil vagas em centros de acolhida e que a rede não registra superlotação.
Mas, antes de conseguir um lugar permanente no albergue, Antonio teve de enfrentar a fila que todos os dias cerca o Arsenal da Esperança para as vagas de pernoite, que são disputadas diariamente. "Tem gente que há mais de dez anos está nessa vida", conta o motorista. "A rua deixa o cara louco."
Para voltar a trabalhar, Antonio está se tratando dos problemas de saúde na rede pública e, pela manhã, sai em busca de vagas de emprego em cooperativas de transporte. À tarde, nas horas livres, costuma passar o tempo assistindo a filmes na Biblioteca de São Paulo, no Carandiru.
"Eu não vim da rua, tenho uma vida totalmente diferente. Sempre fui muito ocupado, com objetivos, dinheiro para me manter", afirma. "Não tenho medo de me acomodar porque tenho apetite, vou sair dessa."
Recorte da Reportagem: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/11/03/crise-e-desemprego-acentuam-drama-de-moradores-de-rua-a-gente-e-visto-como-cachorro.htm